Fotografia de um minério, por Mário Baggio


 

 


 

Depois do ótimo “Geometria do Acaso”, de 2021, o poeta Luciano Lanzillotti apresenta este “Fotografia de um minério” e confirma sua preocupação com o social e com a condição humana, temas já explorados na obra anterior. O comezinho da vida em sociedade e a relação entre os seres continuam sob a lupa do escritor que, com textos curtos e cortantes, expõe com grande sensibilidade as mazelas do nosso tempo. O eu-lírico que salta das páginas dessa nova obra não devaneia, não se perde em fluxos de consciência. Há vida real, a dura vida real nos versos ora escritos, e é essa concretude, semelhante à dos minérios, que confere brilho à poesia de Lanzillotti.

 

Dividida em 4 partes (Jásper, Opala, Quartzo e Turmalina), a obra vai, em curva ascendente, revelando ao leitor que as verdadeiras relações humanas ganham relevância quando forjadas com ferro em brasa. Para Lanzillotti, importa o dia a dia vivido nas cidades, nas vizinhanças, nos pequenos acontecimentos da esquina de nossa casa. Importa o afã diário para ganhar a vida e sobreviver. Importa o olhar atento para o outro, a consideração com a dor própria e com a dor do outro. Numa palavra: para o escritor, o que importa é a convivência com os semelhantes, por mais doloroso que isso possa ser. Viver não é exatamente um passeio de bicicleta nem um programa culinário de Rita Lobo. Os versos a seguir são mostra eloquente disso:

 

“Economizamos água / e moedas / para quando o futuro / chegar / mas quando ele passa / sequer compreendemos / qual sua /verdadeira face” (Futuro)

 

“Acumulei poemas / não acumulei capital. / Palavras / no lugar / de cifras. / Livros / na estante / em vez de / carteiras / de crédito / casas de câmbio. / Enchi cadernos / com partes / de mim / do mundo / embora / em tais celuloses / não haja carimbos / de governo / dando algum valor / a tudo isso: / é o meu legado / ao tempo” (Legado ao tempo)

 

“Na estrada para Tebas / um espelho / e uma dúvida: / decifro-me ou me devoro?” (A esfinge revisitada)

 

“Com dois dentes de alho / e uma cebola / preparo o feijão para comer. / Na mesa branca / redonda. / Escrevo / simplesmente / escrevo. / Enquanto / uma panela / arde na solidão.” (Arde na solidão)

 

O (duro) senso de realidade, explícito em cada página desse livro, explode na cara do leitor, como nesses versos:

 

“Não venci o Nobel / não escalei o Andes / tampouco fiquei rico. / Mas sigo para o réveillon / como se neste ano / tivesse feito / muito mais / do que tudo isso.” (Final de ano)

 

“Um carro encosta / levemente / no outro. / Sequer se percebe / qualquer forma / de avaria / de possível perda financeira. / Embora / fisicamente / nada tenham / sofrido / fecham a via / aos gritos / empurrões / enquanto seus filhos / de dentro dos carros / clamam / pela presença / de algum Deus / que ponha fim / a tudo isso.” (Algum Deus)

 

O pungente poema “Como seguir?” encerra a obra de maneira emocionante (eu queria ter escrito isso):

 

“Se das janelas nada diviso / se das portas nenhum caminho se apresenta / se do céu não vem chuva / salvação / sequer efêmera resposta: / como seguir, senão pela escrita?”

 

Escreva, Luciano!

 

Que os leitores descubram e se encantem com “Fotografia de um minério”. Que a poesia de Luciano Lanzillotti permaneça.

 

Mário Baggio


Mário Baggio nasceu em Ribeirão Claro – PR (1957). Cursou Jornalismo na UNIP e pós-graduação em Comunicação na Fundação Cásper Líbero. É autor de três livros de contos: A (extra)ordinária vida real (2016), A mãe e o filho da mãe e outros contos (2017) e Espantos para uso diário (2019). Publicou textos nas revistas eletrônicas SubversaDiversos AfinsFluxo e LiteraturaBr. Desde 2014 mantém o blog Homem de Palavra (www.homemdepalavra.com.br). Mora em São Paulo desde os anos 70, mas sempre quis morar na praia. Um dia vai. Verás que tudo é mentira é seu segundo livro pela Coralina e Antes de cair o pano,  Urutau.

 

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