A ganga poesia de Luciano Lanzillotti, em “Fotografia De Um Minério"

                                                      Rose Calza*









Primeiramente, vamos falar de escolhas e

assim foi este o instigante nome dado ao

livro de Luciano Lanzillotti - “Fotografia

De Um Minério”.

Senão, vejamos: uma das definições de

“minério” é ser rocha, sedimento ou solo. Se,

segundo o poeta, são muitas camadas que

compõem um corpo” (em Tecido Mole, p. 25),

por analogia, o livro se organiza em

depósitos de concentrados, ou seja, poemas/

jásper, p. 19, opala, p. 47, quartzo, p.75 e

turmalina, p.101.

E eis que não pela bateia, porém, por

instantâneos fotográficos é que o texto se

revela enquanto ganga: a parte não

metálica que forma massa principal do

minério. Na primeira recolha, jásper se

estende em: esfinges, moradas, estilhaços, tal


minério, separados de outros sedimentos.

Por ser este um livro o que contém a cifra e

a alma que pode conter a decifração, (apud

Fernando Pessoa) , rapidamente, num

semiótico abre alas, compreendemos a que o

poeta se propõe: “procuro respostas, tenho

perguntas?” (em Arames e Espinhos, p.26).

Todas as epistemo/cosmogônicas perguntas

por ele feitas virão ao longo da leitura e não

há como não se apoiar no que Charles

Sanders Peirce (1839/1914) aborda sobre a

questão da educação do pensamento e que

cunhou conceitualmente como falibilismo:

aquilo que falha, suscetível a erro, que pode

cometer enganos), onde o objeto do

raciocínio é descobrir , a partir de

consideração daquilo que já sabemos,

alguma outra coisa que desconhecemos. O

que interessa aqui é que ele constata que, por

meio do raciocínio, não podemos obter

exatidão e universalidades absolutas- a

certeza sobre o conhecimento é impossível.

E se este exercício é aqui reconhecido o que


se pressente através da leitura do livro não é

o empenho do autor na busca de processos

investigativos da metafísica da verdade, mas

se entrevê , no arrepio das emoções , o poeta

banhado de indeterminações e incertezas , e é

mesmo, deste terreno fértil, que nasce sua

poesia. Diz Murilo Mendes; “ainda não

estamos habituados com o mundo, nascer é

muito comprido”. Replica LL : “sigo o rio da

vida/límpido ou poluído/é o que me resta” (

em Dobradura , p. 23). Parece ser o

propósito do plot poético uma questão hors

filosófica , mais à modalidade específica do

caminho a abertas indagações . O resultado,

profícuo é o evidente grau de um

bakhtiniano dialogismo possível na

identificação de “Minério” (com outros

textos/autores), por exemplo, alinhado à

referência “tempo”: “ com que vamos

sustentar os sonhos no espaço/naquele lugar

nenhum/onde desejamos que nosso

intangível sinta o cheiro de nada”, de

Horacio Castelo, 1934 , (em O Fim é o que


Perdura”) , ao que LL, responde : “ quem

conseguirá domar a soda cáustica do tempo?".

(em Soda Cáustica , p.27) . Sem galimatias

de certos lustrosos discursos poéticos, LL,

elege a dúvida, sua profícua maquinaria de

descobertas, o que por vezes nos faz suar a

palma das mãos pela simplicidade

dilacerada, na espiral de suas inseguranças :

“ vejo meu pai /e meu avô/no curso da vida

que se repete/mas não me vejo ( em Curso de

Vida , p. 36) , o que nos remete à Wislawa

Szymborska, em “Chamando por Yeti, 1957,

Yeti, que representava o que é misterioso,

elevado, inatingível: pura poesia. Mas no

mundo humano nada é puro, nem mesmo a

poesia”, (Regina Przybycien) . Assim um

pouco Yeti, um pouco gatos de

Schroedinger, vamos adentrando à leitura.

Seguimos em opala: cidades, manadas,

máquinas. Lá também não se poupa a ciranda

viciada dos desassossegos, o ciclo

inquebrantável que não emula paradoxos,

tais vida e morte, atávicas frustrações: “e ao


fim /o resultado da conta/será sempre/o

mesmo”, (em Anêmico , p. 49) .

“Pode nossa alma suportar seu âmbito

desconhecido”? pergunta novamente,

Horacio Castelo. LL. responde que a solidão,

o tempo inexorável , o silêncio é o ritmo que

“ mecanicamente vai e volta/entre filas de

máquinas/cronometrando o tempo de cada

solidão/fechada entre vidros”. (em Limpar

Vidro , p.54). Adoro isto.

Chegamos a Quartzo: amores, despedidas,

relógios. Ainda o tempo é, aqui, o grande

maestro regente da decomposição da matéria:

“ o tempo não mente... insiste... a biologia e

sua deterioração”, (em Primeiro Poema Para

Helena, p. 77), ou, a finitude... “o que resta

além do fim /é aquela frase que travei nos

dentes”, (em Decomposição, p.79). Estão em

desfile o “lindo e o insuportável da vida – as

vidas insossas, tediosas”, “a inutilidade de

tudo”, “a dobradura do tempo”...


Terminamos em Turmalina: construções

plantas, livros. O indireto desvanecer que

aturde animais/ homens/ plantas diante do

que não se explica: “pata de

vaca/ressequida/aguarda o dia/também de ser

devorada/ pela insânia dos homens” (em Pata

de Vaca, p.104); ou, “nada espera ou

importa/enquanto sua curta vida/se

desfaz/pétala a pétala”, (em Orquídea, p.5).

Não falta o tom kafkiano que se acentua em

“antecipar/antes que a vida /se

mostre/decodificar/antes de linguagem

/sentido/reconhecer ainda em

entranhas/trazê-lo para que sobreviva/sem

mim”, poema em perfeita sintonia temática

complementar com: “quando vier a

primavera, se eu já estiver morto/as flores

florirão da mesma maneira/ e as árvores não

serão menos verdes que na primavera

passada”. (Alberto Caeiro, F. Pessoa).


Assim preciosas são as pedras que se juntam

como seixos /textos, “como lagarta em


borboleta”, no emocionante livro de LL. E

“Fotografia De Um Minério”, no jogo de

leituras de experimentação também poderá

estar , em sua mesa de cabeceira, numa

biblioteca que “descansa dos homens/de sua

sede de conhecimento/poder/ de sua infame

inutilidade do tempo/ da injusta necessidade

de buscar sentido/para tudo o que não tem

nome”, ( em Biblioteca, p. 109.)

Por que lê-lo? Sigamos o conselho de Franz

Kafka: “apenas deveríamos ler livros que nos

picam e nos mordem. Se o livro que lemos

não nos desperta como um murro no crânio,

para que lê- lo?” E é este impacto descrito

que nos causa , “Fotografia De Um Minério”,

de Luciano Lanzillotti, prefácio de Ruy

Espinheira Filho, Ed. Folheando , Belém ,

2023. 124 p.



Rose Calza *

Rose Calza estudou Comunicação e Semiótica na instituição de ensino PUC - SP, e estudos de Literatura Comparada na instituição de ensino Université du Provence- Aix/Marseille- France. Livre Docente, HDR, France; Doutora em Comunicação e Semiótica, PUC- SP; Roteirista ( TN), TV Globo.


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