Fotografia de um minério, por Krishnamurti Góes dis Anjos
Por
Krishnamurti Góes dos Anjos (*)
O segundo livro
publicado do senhor Luciano Lanzillotti, “Fotografia de um minério” - poesias,
revela e amplia aquela primeira impressão que tivemos quando do lançamento de “Geometria
do Acaso”, seu livro de estreia. Positivamente o autor faz parte daquele
diminuto time de autores, que tiveram uma formação acadêmica em Letras e,
sobrepondo-se a isto, conseguem combinar conhecimento e sensibilidade acima da
média.
O escritor Ruy
Espinheira Filho que assina o prefácio, a certa altura afirma que na obra,
Lanzillotti, escreveu páginas que “transitam, sobretudo, como ocorre na melhor
poesia, pela condição humana em situações essenciais: o enigma do ser, a
brevidade no mundo, a necessidade de ir em frente, sempre e sempre. Tudo com a
presença dos sentimentos, das carências, do amor, como sempre, repito, na
melhor poesia.” E é uma verdade à qual se pode acrescentar outra que cada
leitor pode usufruir de acordo claro, com o grau de sensibilidade e empatia que
o autor consegue despertar. A nosso ver, e já escrevi isto sobre o autor, há
nele uma fina capacidade de transmitir uma poesia social como elemento
reflexivo de seu espírito indignado e combativo. E advirta-se logo que não se
trata propriamente de um labor que se poderia caracterizar de poética de engajamento,
ou de luta social, que tanta porcaria e equívocos tem causado em nome de pseudo
bandeiras. Referimo-nos a algo mais
profundo porque o autor alcança e em muito boa medida, realizar uma literatura
construtiva, mais politizada com uma postura do indivíduo questionando a si
mesmo (aprofundamento do eu com o mundo). É como se ouvíssemos ecos de um
Carlos Drummond de Andrade, aquele Drummond de “Tenho apenas duas mãos e o sentimento
do mundo”. A linguagem flexível e rica de dimensões humanas que colhemos
sobretudo na segunda parte da obra “Opala”, é bastante significativa nesse
sentido. Ali lembramos do dito de Sartre
de que “o poeta e o filósofo são os mais bem equipados para entenderem o
sentido das coisas. Eles podem entender o sentido da pólis de seu tempo de uma
maneira re(velante). Um discurso que se torna possível através do verbo
poético.
Ressaltamos ainda, que a
importância de uma poética assim, vai além da construção de objetos materiais
porque usa a palavra para chegar ao outro. Mesmo que esteja no centro, o poeta
usa a palavra não para se exaltar, mas para se interrogar sobre o mundo, as
coisas. Faz versos e vê o re(verso) e assim, chega até os leitores.
Luciano maneja uma lírica que se mantêm lúcida
perante a realidade, perante a sociedade, seja qual for o preço da lucidez.
Aquela que está presa à vida e denuncia as suas iniquidades, as suas desigualdades,
do ponto de vista político, social e humano, em sentido profundo, sem deixar de
ser poesia, sem deixar de ser lírica. Não seria este um dos ofícios mais nobres
da Literatura? Causar bem aos outros, não apenas politicamente, socialmente, mas
por transmitir emoção ao próximo. Há de se ter o compromisso social com o humano.
E finalmente, deixando a verbosidade de lado, brindemos o leitor com poemas que
ilustram o que até aqui dissemos, e outro que encanta os que estão apaixonados,
que falem por si:
Lições da contracorrente p. 53.
Caminho ao lado / de pessoas com
fome / sem casa ou título.
Lutam / pelo pão de cada dia / pelo
remédio caro da farmácia / por um lugar no chão.
Nada sabem sobre ti, Walt Whitman.
/ Nem de tuas armas e escravos, Arthur Rimbaud.
E atravessam a rua como se houvesse
/ algum tesouro /ali na esquina.
Limpar vidros p. 54.
I
Descalço e sem qualquer habilidade
/ o menino / se aproveita do sinal fechado / para limpar / vidros.
Exausto / do sol / e da falta / de
gorjetas
já não estende as mãos.
II
Mecanicamente / vai e volta / entre filas / de
máquinas
cronometrando / o tempo / de cada
solidão / fechada / entre vidros.
III
Que conteúdo / preenche / sua mente
que futuro / lhe espera / ao fim /
desse breve / dia?
Quando foi? p. 60.
Enquanto o ônibus se movimenta /
sinto-me como passageiro / de futuro inerte / desamparado / tímido.
Passo e vou lendo Alberto Caeiro /
que transita entre outeiros / fora das cidades.
Sexta-feira e há / porcos e cães ao
lado das lixeiras / mototaxistas / radinhos / bares com idosos / jovens e
crianças / brincando sobre areia-lavada.
Todos carregam olhar vago / grito
sem gemido / são gaiolas para / pássaros que não cantam ou voam.
O que se assemelha à visão do
inferno de Dante / é apenas mais um dia / no Rio de Janeiro / e ao desembarcar
/ carrego insistente pergunta:
quando foi / que nos tornaram isso?
Corações e mentes p. 69.
A bomba / não é mais de hidrogênio.
A bomba / não e nuclear.
A bomba / não é química.
A bomba / agora / instalou-se / nos
corações e mentes:
e quem não tiver a bomba / deverá
ser bombardeado.
Para além de tudo isso p. 89.
Não falarei sobre o amor / ou o que
há para além de seu domínio.
Sobre rouxinóis / maços de rosas
vermelhas / viagens / despedidas.
A solução / o ritmo / o remédio / o
mistério / que ronda o mundo.
Falarei sobre / duas pessoas que /
neste momento / em algum lugar / produzem encontro / para além / de tudo isso.
Livro: “Fotografia
de um minério”, Poesia de Luciano Lanzillotti – Editora Folheando – Belém – PA
– 2023, 124 p.
ISBN: 978-65-5404-115-7
Link para compra e
pronto envio:
https://www.editorafolheando.com.br/pd-92b280 ou
https://www.facebook.com/luciano.lanzillotti
https://lanzillotti.wordpress.com/blog/
(*) Krishnamurti Góes dos Anjos tem
publicados os livros: Il Crime dei Caminho Novo – Romance Histórico, Gato de
Telhado – Contos, Um Novo Século – Contos, Embriagado Intelecto e outros
contos, Doze Contos & meio Poema e À flor da pele – Contos. Participou de 28 Coletâneas e antologias,
algumas resultantes de Prêmios Literários. Há textos seus publicados em
revistas no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e
Espanha. Seu último romance publicado pela editora portuguesa Chiado – O Touro
do rebanho – Romance histórico, obteve o primeiro lugar no Concurso
Internacional - Prêmio José de Alencar, da União Brasileira de Escritores
UBE/RJ em 2014, na categoria Romance. Colabora regularmente com resenhas,
contos e ensaios em diversos sites e publicações. Atuando com a crítica
literária, resenhou mais de 300 obras de literatura brasileira contemporânea veiculadas
em diversos jornais, revistas e sites literários.
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